Rapé e seus conceitos históricos

uso de rapé na história

Essencialmente, o rapé é o pó obtido a partir da trituração de folhas secas de tabaco (Nicotiana tabacum L.). Contudo, a maioria dos grupos do Médio Purus mistura a ele outras plantas.

Um cotejamento de fontes históricas e de informações etnográficas com origem nas tribos indígenas da América do Sul nos apresenta as seguintes informações sobre o rapé fabricado pelos habitantes dessa região.

O viajante Joseph Steere (1949[1901]) observou que para fabricar rapé, os Jamamadi torravam as folhas verdes de fumo sobre o fundo de uma vasilha de argila emborcada sobre brasas. O almofariz, feito do ouriço da Castanha do Brasil, era então parcialmente cheio de brasas acesas, que eram logo descartadas depois de aquecê-lo. Nesse ambiente, as folhas eram socadas e moídas até tornarem-se um pó muito fino e esverdeado.

Ehrenreich (1948[1891]) nos diz também que, entre este grupo, o pó era guardado em uma simples casca de caracol e aspirado através do osso oco de uma ave ou uma folha enrolada.

Na época em que Kroemer (1985) esteve com este grupo, relatou que o uso do rapé entre os Jamamadi era muito apreciado, misturando-se ao pó uma porção de cinza da casca do fruto do cacaueiro .

rapé sansara

Ainda hoje o método e os instrumentos de fabricação permanecem os mesmos. Entre os Apurinã, Ehreinreich (1948[1891]) relata que o rapé era feito secando superficialmente as folhas de tabaco em um prato de argila colocado sobre brasas. Em seguida, entalavam-nas em um pedaço de madeira, expondo-as ao calor até ficarem completamente secas. Em seguida, pulverizavam as folhas na casca de um fruto e misturavam aí as cinzas de diferentes madeiras, como apakitiri, conhecida também como torém ou embaúba (Cecropia pachystachya), e ukutana, nome na língua Apurinã de uma espécie que ainda não conseguimos identificar. Antigamente, o rapé era utilizado pelos Apurinã somente para fins xamânicos, em sua prática de cura. Hoje, ele é abundantemente “tomado”, sendo tal vulgarização, conforme as informações de alguns índios da região, feita a partir dos anos 1980 pelos indigenistas do CIMI e da FUNAI, que pediam o produto aos xamãs. Sua popularização alcançou o público e saiu do seu espaço de uso específico, bem como modificou seu jeito de ser fabricado. Atualmente, o rapé dos Apurinã é feito com o tabaco e outros ingredientes, como o breu de Jatobá (Hymenaea courbaril L.) e a Amescla (Protium heptaphyllum). Segundo informam, esses novos componentes conferem aroma e propriedades medicinais ao produto pode ser usado para tratar:

  • Grip
  • Constipação
  • Dores de cabeça

Como tentamos demonstrar nas páginas acima, o rapé é um elemento vegetal de fabricação da cultura, caracterizado por um modo especial em cada grupo do Médio Purus. Ele aparece como um produto comum a todos eles, permitindo divisar uma linha de conexão entre os grupos.

Desse modo, o rapé, a exemplo de outros temas que merecem uma abordagem antropológica transversal, ajuda-nos a compreender a plêiade de grupos da região como um sistema em comunicação e em continuum, apontando para uma etnologia do Purus para além das diferenças históricas ou etnonímicas de seus habitantes.

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